POESIA

Poemas de “Metamorfoses do fogo”

Imagem: Cas'a/Reprodução.

âmbar

1

Dizer na pedra
a resina do nome:
a cada palavra,
menos um sentido.

2

Se a pedra toca
o silêncio: pedra
de toque do nome.

Se o nome se aproxima
da pedra: o silêncio
petrifica-se.

3

O que cala na pedra:
nome fóssil
onde o fogo começa.

§

Poema

1

Deitado na espessura do tempo,
cerzido ao princípio do mundo.
As conchas reverberam seu sopro.
Pressente na pedra a carne entre os dedos.
Imagina no vidro o que seria seu rosto.

2

De cada coisa uma ideia se avizinha.
Uma ideia vazia de pensamento.
Uma ideia de vizinhança entre coisas dispersas.
Um sentimento de objetos
pousados na mesa. A gravidade
das coisas despojadas de uso,
reduzidas a coisas estáticas.
A hipótese interior do movimento.
Ideia como paixão e ressalto entre coisas.
Ideia por onde tudo respira,
onde tudo repousa
e se esquece.

3

Que se encarreguem do tempo.
Que se reúnam aqui onde ali se dispersam.
Que a pedra se confunda com a carne
e corra sangue no espelho.
Que a concha diga seu nome
e do nome o avesso.
Um acidente, um pequeno desvio
entre cada coisa e si mesma.
Noite do espelho ao meio dia,
o nervo do nome centelha.

§

Ninguém

Os astros escoam por dentro dos olhos.
A noite nunca foi tão escura.
A mão estreitada ao mundo.
Tão perto dos nervos, nada,
ninguém. Na geometria falha do lume,
ainda habita um corpo esta terra.

§

Pensamento do fogo

A palavra arcaica perdura no relâmpago.
Atravessa o coração do tempo reanimado.

*

O desconhecido refuga por baixo de cada sinal.

*

O mundo se expande dentro do corpo.
Atento, ilumina-se.

*

O fogo irradia-se do fogo para o fogo.

*

Duas vezes atingida pelo raio,
a paisagem acesa nas pupilas.
Na clareira das pupilas,
o raio da palavra.

*

O pensamento da fonte é ainda a fonte:
chama desvelada.

§

correspondência

Quase nada é necessário se a morte bate à porta.
Quase nada é necessário se eu mesmo bato à porta
e me recebo do outro lado.
Tudo se resume ao mesmo fato repetido ao infinito:
uma porta fechada entre mim e mim mesmo.
Uma porta de vidro e a certeza do tempo.
O vórtice do tédio.
Há pessoas que ricocheteiam no parto.
Pessoas que são como projéteis enferrujados.
E dizem que é possível andar em linha reta neste mundo,
quase sem atrito.

A.C.

Erick Costa é professor, em regime de dedicação exclusiva, do Departamento de Linguagem e Tecnologia (DELTEC), do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG). Professor do programa de Pós-Graduação em Linguagens (POSLING/CEFET-MG), com pesquisas na Linha I: Literatura, Cultura e Tecnologia. Doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela FALE-UFMG (Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários UFMG, 2014). Autor dos livros Acurar-se da escrita (ensaio), publicado pela Editora Casa em 2021 e Metamorfoses do fogo (poesia), publicado pela Editora Casa em 2023.

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