POESIA

Noturno da Mosela

A noite… O silêncio…
Se fosse só o silêncio!
Mas esta queda d’água que não pára! que não pára!
Não é de dentro de mim que ela flui sem piedade?…
A minha vida foge, foge — e sinto que foge inutilmente!
O silêncio e a estrada ensopada, com dois reflexos intermináveis…

Fumo até quase não sentir mais que a brasa e a cinza em minha boca.
O fumo faz mal aos meus pulmões comidos pelas algas.
O fumo é amargo e abjeto. Fumo abençoado, que és amargo e abjeto!

Uma pequenina aranha urde no peitoril da janela a teiazinha levíssima.

Tenho vontade de beijar esta aranhazinha…

No entanto em cada charuto que acendo cuido encontrar o gosto que faz esquecer…
Os meus retratos… Os meus livros… O meu crucifixo de marfim…
E a noite…

Petrópolis, 1921

A pausa derradeira do poema é toda presença. Concreta, veio-se fazendo junto com as imagens e os afetos movidos verso por verso. Ela traz em si a memória de todos os signos, os do céu e os da terra, trabalhados que foram pelo espírito do texto que concilia os opostos dizendo-os em melodia decrescente e em tom menor. / O silêncio que entremeia os versos de Manuel Bandeira é um silêncio vivo. Cresce junto com o discurso poético, marca o compasso da leitura regula a vibração da voz, potencia o som e o sentido do verso findo, pressente o novo. Ou ainda, satura-se da dúvida lançada pelos caminhos que a significação vai abrindo.

Alfredo Bosi

In: Bosi, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Alfredo Bosi (26 de agosto de 1936 – 7 de abril de 2021) foi um historiador, crítico literário e professor brasileiro. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira número 12. Um de seus livros mais famosos é História Concisa da Literatura Brasileira, amplamente utilizado nas universidades brasileiras em cursos de literatura. Bosi também escreveu vários estudos sobre literatura italiana e sobre grandes escritores brasileiros, bem como ensaios no campo da hermenêutica. (Wikipedia)

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 19 de abril de 1886 – Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968) foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro, considerado um dos maiores expoentes da poesia brasileira e uma figura-chave do modernismo no Brasil. (Wikipedia)

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Um comentário sobre “Noturno da Mosela”

  1. Almir Zarfeg disse:

    Parabéns, Lucio e demais editores, por este espaço especial dedicado à literatura (alimento ou especiaria?). Uma iniciativa muito bem-vinda e merecedora de aplausos!

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