POESIA

Cinematografia rupestre — na caverna Chauvet-Pont-d’Arc, de Leonardo Valverde

Imagem: Association des Biens Français du Patrimoine Mondial

I.
Seguraste o morcego pelas asas
enquanto entraste sóbrio na caverna;
na caverna, admirado com pinturas,
com os cavalos cinematográficos
a galope entre a luz do fogo e as sombras,
depuraste teu espírito do escuro
com as luzes do fogo que acendeste.
Tuas luzes estranhas, quase vivas,
em pinturas nas pedras — nas paredes —
transformaram teu medo em teu destino.

II.
Teu destino traçado em animais
pintados como mimese — tua arte —
converteu teu cotidiano em mágica,
teus animais nos astros como estrelas
guiaram-te entre os ritos cosmogônicos,
as palavras, os nomes em memória
misturaram-se aos ossos ou fumaça,
a mulher como símbolo da Terra
em pintura rupestre com o touro
revelou-te a magia ainda não vista.

III.
Um perfume exalado do teu solo
numa brecha da neve no desgelo,
tua flauta tocada em pentatônico
como auxílio à dança entre ossadas,
as pinturas moviam-se sonoras
por onomatopéias recitadas;
teus ritos — natureza ainda viva —
transformavam-se em arte com espanto
como auxílio às dores invisíveis
— na caverna onde os ursos eram reis.

IV.
Tua alma convertida aos animais
permaneceu nos traços e pinturas,
teu Minotauro em corpo feminino
transformou um amador na cousa amada,
teus mamutes, leões, rinocerontes
caminhavam por baixo de Pont d’Arc,
onde habitaste o solo com magia
— talvez com senso místico do arco —
inferindo teus símbolos e idéias
para viver conforme a Natureza.

Leonardo Valverde (Niterói-RJ, 1977), é linguista, filólogo, educador, estudioso de línguas antigas como o grego, o latim, o sânscrito e o avéstico, um poliglota na leitura de línguas, tradutor de textos sânscritos, um apaixonado pela matemática, um polímata por natureza; foi professor de língua portuguesa e literatura por mais de dez anos, tem um mestrado em Linguística pela UFF (a primeira pesquisa sobre a gramática de Pāṇini no Brasil); é um melômano e adora andar. Sinfonia de pedras é seu primeiro livro de poesia (ver aqui). Leonardo vive e trabalha como educador há onze anos em Praga, República Tcheca.

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