e nas
suas mãos tão belas
passavam como caravelas
a luva do tempo
e a do vento
§
e havia a casa
onde,
na armadilha das horas
e no arbítrio da luz,
íamos crescendo,
crescendo
até esta memória
mas não era a casa
não apenas a casa
era o caminho
as dunas, o pinhal,
o mar e o cheiro do mar
o voo dos pássaros
ou apenas os pássaros
caídos sobre
o caniçal, espalhados
no que parecia ser
o azul do céu
o branco imperfeito
duma nuvem ou dum muro
tudo tão insconstruído
tudo tão desenhado,
imaginado,
não se sabe por que
destino.
Não sabíamos
que era o amor
podia ser
mas não sabíamos
o amor só se sabe
muito mais tarde
quando já não há tempo
quando já não é possível
estar dentro
do tempo do amor
talvez seja por isso:
a felicidade
é sempre uma recordação
uma memória, sim
algo que era
e não sabíamos
qualquer coisa
que nos aparece construída
muito mais tarde
mas sobre a qual
já não temos qualquer domínio
uma perda, uma ausência
uma impossibilidade
§
a solidão dos navios
na palma
duma mão antiga
e o tempo generoso
preso no mármore azul
do mar
cantando, cantando
§
morrer na
maré baixa
as algas escrevendo
o passado
o horizonte
como se tudo
olhasse para trás
e caminhar
como se fosse possível
outra vez, outra vez
§
o sal
ainda não revelado na onda
no derrame da onda
como a realidade
ainda não sonhada
ainda suspensa
da manhã invisível
§
fechar os livros
para que tudo
seja mais nítido
e o tempo
se engane na distribuição
da alegria
Gil T. Sousa (1957) nasceu e reside em Vila Nova de Gaia e é Licenciado em Comunicação Social pela Escola Superior de Jornalismo do Porto. Escreveu: poemas (2001), falso lugar (2004) água-forte (2007) em edições privadas do autor. E água-forte, poesia reunida (2014), editora medita e água-forte, poesia reunida (2019), editora urutau. É autor do blogue poesia (www.canaldepoesia.blogspot.com) onde publica e divulga poesia regularmente desde 2004. Tem publicação dispersa em revistas digitais e impressas de poesia,