Thomaz Albornoz Neves
Sant’Ana do Livramento – RS
Antonio Vescio Porchia (Conflenti, 1885–Buenos Aires, 1968) foi o primeiro dos sete filhos de Francisco Porchia e Rosa Veschio. Seu pai, um padre que abandonou o sacerdócio para virar comerciante de madeira e casar, morreu quando Antonio tinha quinze anos. O rapaz foi forçado a interromper seus estudos para sustentar a família. Em 1906, os Porchia emigraram para a Argentina a bordo do navio a vapor Bulgaria. Estabeleceram-se no bairro de imigrantes italianos de Barracas, em Buenos Aires. Durante seus primeiros anos, Antonio trabalha como carpinteiro, cesteiro e piloto no porto. No tempo livre, escreve.
Em 1918, a família se muda para o bairro de San Telmo e, nesse mesmo ano, Antonio Porchia adquire com o irmão Nicola, uma gráfica na rua Bolívar. Na década de 1920, se filia na Federación Regional de los Trabajadores de Argentina e mantêm contato com movimentos anarco-comunistas. Colabora em uma publicação de esquerda chamada La Fragua, onde publica seus primeiros aforismos. Ao redor de 36, deixa a gráfica e se retira em um casarão no bairro de Saavedra, onde cultiva rosas e presta, eventualmente, serviços como pedreiro. O lugar passa a ser ponto de encontro de pintores e escultores como Menghi, Riganelli, Lacamera, Petoruti e Castagnino. Em 43, aos 58 anos, publica em benefício da Sociedad para la Protección de las Bibliotecas Populares a primeira edição do seu único livro, reeditado e acrescido várias vezes, intitulado Voces.
Apesar dos seus mais de mil aforismos, permanece com essa aura de escritor oculto, vivendo à margem da vida intelectual e literária argentina. Considerado um sábio com uma biblioteca mínima, um anarquista zen, um místico laico, Antonio Porchia não tinha outra ambição além de se expressar. Assim como o autor resiste a ser definido, seus escritos repelem os gêneros. Já desde o título, a voz refere-se à fala, mais ao dito para ser ouvido do que ao escrito para ser lido. A coloquialidade e a dicção cotidiana parecem surgir de um pensamento instantâneo. Porchia conserva a entonação natural mesmo quanto o tema é meditado e a forma burilada.
A afinidade distante com o haikai não descarta certa inflexão oracular, às vezes sentenciosa e quase sempre poética. Pois o aforismo tanto pode ser uma frase em que a verdade não tem espaço para o argumento, quanto um verso em que a poesia está restrita à sua essência. É um pouco de ambos, sem ser nenhum deles.
Mais que inspiração metafísica, as vozes de Porchia buscam o intocável sentido original da existência. A crítica traz Heidegger, evidentemente, mas também Wittgenstein, autores cuja coevidade relativiza qualquer influência mais direta. Já Heráclito, Górgias ou Plotino, estão entre suas referências, ou talvez fosse mais correto dizer, compatibilidades clássicas. O certo é que Porchia usa a ambiguidade, o artifício, a polissemia e o contrassenso para explorar não o mundo, mas a linguagem e seu limitado alcance.
É um personagem solitário e monástico, com uma atração pela liberdade que deveria tê-lo levado a preferir na juventude os anarquistas aos comunistas. Foi reverenciado por Roberto Juarroz, outro grande poeta argentino, que o tratava como a um mestre. E, de fato, as afinidades são tantas que Juarroz pode ser considerado um herdeiro do pensamento aforismático e do estilo de Porchia. Em relação ao pouco prestígio de sua obra durante seu tempo de vida, o único comentário cabível, é que a Argentina distraiu-se. Juan Malpartida contextualiza a publicação de Voces Reunidas na Espanha:
É louvável que tenha sido publicado na Espanha e que os autores da edição sejam mexicanos. Graças ao disco que acompanha o livro, no qual o autor recita alguns de seus escritos, o leitor poderá conhecer a voz do poeta, – sem dúvida ouvida por muitos de seus contemporâneos nos programas de rádio de Buenos Aires dos quais participou – e que não havia sido recuperado até agora. A voz do autor das Vozes tem forte sotaque italiano e não é muito portenha. Uma voz controlada e monótona, muito atenta às nuances semânticas dos seus poemas, todos oscilando entre um e três versos.
E pouco antes de retornar à França, em 1949, Roger Caillois levou Voces à revista Sur. Mas o livro é descartado pelo editor José Bianco. Ignorado em Buenos Aires, foi reconhecido em Paris antes que os portenhos acusassem sua existência. A miopia dos editores deveria estar tipificada no código penal.
No início dos anos 1950, Porchia se muda para uma casa modesta em Olivos e, eventualmente, presta serviços de jardinagem. Visitando uma família de amigos, os García Orozco, cai de uma escada ao podar uma árvore, bate a cabeça e entra em coma. O coágulo é removido através de uma delicada cirurgia e Porchia se recupera. Até que em 1968, a convite dos mesmos García Orozco, viaja alguns dias à Mar del Plata onde -a coincidência é macabra- sofre uma recaída, tem outro acidente vascular cerebral e morre dias depois em Buenos Aires.
Vozes
Parta de qualquer ponto. Todos são iguais. Todos eles levam a um ponto de partida.
A árvore está só, a nuvem está só. Tudo é solitário quando estou só.
Quando procuro minha existência, não a procuro em mim mesmo.
Percebemos o vazio, ocupando-o.
Estou perdendo o desejo pelo que procuro, procurando o que desejo.
Quem fica muito consigo mesmo, se avilta.
Quem viu tudo esvaziar-se, quase sabe de que se enche tudo.
Ferir o coração é criá-lo.
As dificuldades também passam, como tudo passa, sem dificuldade.
O caminho reto encurta as distâncias, e também a vida.
É possível não dever nada devolvendo a luz ao sol.
Nada termina sem quebrar, porque tudo é infinito.
Cem anos morrem em um instante, o mesmo que um instante em um instante.
Porque sabem o nome do que procuro, pensam que sabem o que procuro!
O que as palavras dizem não dura. As palavras duram. Porque as palavras são sempre as mesmas e o que dizem nunca é o mesmo.
Antes de seguir meu caminho, eu era meu caminho.
No último instante, toda a minha vida durará um instante.
Alguns, adiantando-se a todos, vão ganhando o deserto.
Às vezes, de noite, acendo uma luz para não ver.
Não, eu não entro. Porque se eu entrar não há ninguém.
O que te dei, eu sei. O que recebeste, eu não sei.
Quem diz a verdade, não diz quase nada.
Em uma alma cheia cabe tudo, em uma alma vazia não cabe nada.
O humano julga tudo no minuto presente sem entender que julga só um minuto: o minuto presente.
Queria conquistar. Mas não conquistava. Porque queria conquistar sem derrotar.
Dirão que vais pelo caminho errado, se vais pelo teu caminho.
O que pagamos com nossa vida nunca é caro.
O homem fala de tudo e fala de tudo como se o conhecimento de tudo estivesse todo nele.
As certezas só são alcançadas com os pés.
Um grande coração se enche com muito pouco.
O homem, quando é apenas o que parece ser o homem, é quase nada.
Éramos eu e o mar. E o mar estava só e só eu estava. Um dos dois faltava.
Ao partir, meu pai deu meio século à minha infância.
Cem homens juntos são um centésimo de um homem.
Minha pobreza não é total: falto eu.
O profundo, visto da profundidade, é superfície.
Creio que habitamos uns aos outros, mas não habitados. Porque não poderíamos habitar-nos uns aos outros, habitados.
A razão se perde pelo raciocínio.
Haveria essa busca eterna se o achado existisse?
Somente alguns chegam a nada, porque o trajeto é longo.
No meu silêncio, só falta minha voz.
Onde há uma pequena lâmpada acesa, não acendo a minha.
Perto de mim não há mais que distâncias.
Acreditam que mover-se é viver. E se movem, não para viver. Se movem para crer que vivem.
Se compadecem das vítimas, as vítimas.
Quando seus olhos se apagaram, eu também vi uma sombra.
Te assusta o vazio, e abres mais os olhos!
Meu grande dia veio e se foi, não sei como. Porque não passou pela aurora ao vir nem pelo poente ao partir.
Tudo é um pouco de escuridão, até a própria luz.
Algumas coisas, para me mostrar sua inexistência, se fizeram minhas.
O homem vive medindo e não é medida de nada. Nem de si mesmo.
A vida começa a morrer por onde mais é vida.
As alturas guiam, mas nas alturas.
Quando eu não for mais nada, não serei mais nada? Como gostaria de não ser mais nada quando eu não for mais nada.
A lembrança é um pouco de eternidade.
E sem esta repetição eterna de tudo, de si mesmo para si mesmo, a cada momento, tudo duraria um instante. Até a eternidade duraria um instante.
Encontrarás a distância que te separa deles, unindo-te a eles.
Onde todos lamentam, nenhum lamento é ouvido.
Ninguém é luz de si mesmo: nem o sol.
Antonio Porchia (1885-1968) foi um poeta argentino. Porchia nasceu em Conflenti, Itália, mas, após a morte de seu pai em 1900, mudou-se para a Argentina. Porchia escreveu um livro em espanhol intitulado Voces, um livro de aforismos. Desde então, foi traduzido para o italiano e para o inglês, francês e alemão.