Diniz Gonçalves Júnior
São Paulo – SP
Aquela calmaria de início de janeiro: a casa do Mau, música alta, os convidados preparando pizzas e hambúrgueres. À beira da piscina, a grama crescia sem cuidado. O déjà-vu de outros verões sempre essencialmente iguais, aqui e ali algumas diferenças. Reformaram o calçadão da praia, mas as farmácias pequenas continuam precárias e com prateleiras quase vazias. Borracharias e os calendários de mulheres nuas. Nesses pardieiros cheios de graxa não faltavam bicicletas pra encher os pneus. As sorveterias são um capítulo isolado com seus cartazes mal desenhados, sorvetes de cores fortes e gosto aguado.
A morada que foi da minha família agora estava muito diferente. Colorida de verde, manchava minhas lembranças. Para onde foi o cheiro enjoativo da dama-da-noite? E a menina loura que morava ao lado e me enfeitiçava com o biquíni audacioso? O que foi feito da sua ousadia?
O jogo de vôlei em frente à colônia dos eletricitários firmou-se na memória. Nos dias chuvosos, jogos de cartas que nunca aprendi e o quebra-cabeças na mesa de jantar. Deitar-me no sofá e ver a televisão chuviscada: cadê o Bombril na antena?
O barulho do cortador de grama invadiu a madrugada e trouxe o presságio de que algo diferente poderia acontecer no dia seguinte. Mau acordou animado: queria diminuir os montes de grama do jardim. “Vamos encher sacos de lixo e jogá-los no terreno baldio próximo”. Cada convidado carregou um saco. Chegamos ao local. O vizinho acendeu a luz, abriu a porta e começou a xingar. “Esses turistas sujando a cidade, pode deixar, amanhã devolverei o entulho na porta de vocês”.
Mau pediu que caminhássemos no sentido oposto da casa, de modo a impedir que ele descobrisse o nosso endereço. Quando nos demos conta, ele estava nos seguindo, olhos vigilantes e passo firme, mas sem se aproximar muito. Duas, três, quatro voltas no quarteirão e o perseguidor não arredava o pé. Pensamos em pedir que a pessoa que ficou em casa viesse de carro e nos fizesse fugir. Mas num passe de mágica o vizinho evaporou-se na neblina da Serra do Mar.
Retornamos. Lembrei-me do seriado “Além da imaginação”. Quando tudo parece rotina, surge o inesperado. Nessa noite, não acendemos as luzes do lugar nem ligamos o som. Fomos dormir cedo. Apenas o barulho dos grilos e um ventinho. Até que uma sombra se esquivou no muro. Um salto. É um gato?
Diniz Gonçalves Júnior, paulistano. Autor de Decalques (2008) e Concha Acústica (2012).