Golpe de sorte
[para Leonardo Marona]
Devia escrever um poema
e saio à meia-noite,
preciso de cigarros.
O ar da cidade embaça meus olhos
– malditos tecnocratas do agro –
mas o pulmão resiste,
os poetas e os livreiros resistem,
preciso de cigarros.
Sigo a pé pela rua quase deserta.
Três viaturas passam por mim,
naquela pressa só delas,
suas luzes idiotas a girar.
Não, eu não preciso de cigarros.
Mas fumo e odeio a polícia
e penso que seria melhor
não fumar e escrever um poema.
Que se dane: no fim das contas
todos morrem com falta de ar.
Amanhã escreverei um poema.
Quem sabe não será este.
§
Alex Flemming
Um corpo um mapa decodificado
Um mapa um corpo dissolvido
Erigir um corpo entre guerras
Um corpo-guerra a repetir-se
tão absurdo quanto revoltado.
§
Ayholândia
Sem Argo e sem método
que me tirem daqui,
desta geografia monótona
a que chamam coração de Eli,
e me devolvam inviolado
à terra da minha infância,
peço à Deusa dê-me ao menos
sonhar, esta noite, que durmo
desnudo sob piedosa lâmina
em terra vasta not waste land,
de vagabundos bruxas poetas
misteriosa pátria: Ayholândia.
Eleazar Carrias é poeta e pedagogo. Cursou o mestrado na Universidade de Brasília e o doutorado na Universidade Federal do Pará, ambos em educação. Publicou os livros Máquina (Urutau, 2021), Regras de fuga (e-galáxia, 2017; Urutau, 2023), e Quatro gavetas (Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, 2009), este vencedor do Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura – Poesia. Em 2023, pela editora Fictícia, publicou a plaquete Perder Partir. Em 2024, venceu o prêmio Deus Ateu na categoria Poesia Nacional. Com Máquina, foi semifinalista do Prêmio Oceanos de 2022, finalista do 4º Prêmio Mix Literário e, em 2025, vencedor do Concurso Literário C.F. Ramuz de livros a serem traduzidos, da editora suíço-brasileira Helvetia.