Diante do poderoso Kublai Khan, descendente em terceira geração de Gengis, um prisioneiro Marco Polo vive a iminência de ter o pescoço cortado por ordem do imperador mongol. Para safar-se, passa a descrever o que viu e conheceu em seu decurso pela Rota da Seda, entre seres fantásticos como unicórnios, pedras preciosas, hábitos sexuais esdrúxulos e o sabor de especiarias inflagráveis. É possível que as pedras preciosas e rebanhos ele tenha recitado à corte mongol para impressionar os cobiçosos conquistadores; as especiarias, talvez para estimular a curiosidade e imaginação de outros ouvintes atentos.
Perseguir a aventura de Marco Polo em seus maravilhosos relatos tornou-se, a partir do séc. XIV, uma espécie de obsessão narrativa e, talvez, também poética. Um verso, um texto, uma frase deveria ter essa mesma capacidade: sobressair-se do banal, do trivial, do meramente cotidiano. Por certo não foi ele o único a perceber essa capacidade da palavra ordenada — o paralelismo cultural é um fato antropológico extensamente coligido e relatado. Mas, pelo extremo que ele parece ter vivido (ou criado), é um exemplo consistente do que se quer aqui denominar por “especiaria”.
Aqui, neste espaço co-editado e organizado de forma descentralizada, o que procuramos é fazer evaporar diante aos olhos de quem venha a ler essa qualidade a um tempo mágica e indefinível. A essencialidade mesma do que pode ter a capacidade de nos transportar, ao menos no instante da leitura, a outro universo sensível e mental.
Os textos aqui publicados e selecionados por Léo Tavares, Lucio Carvalho, Mar Becker e Thomaz Albornoz Neves têm essa não simples ambição. Nada que impressionar aos leitores que os demais não possam em outros espaços e formatos. Esta é a postura que procuramos manter com cada pessoa que chegar a este endereço. Vale dizer que nessa busca temos a companhia e o aconselhamento editorial de amigos que participaram desde as primeiras discussões deste projeto: Gustavo Melo Czekster, José Francisco Hillal Botelho e Leonardo Valverde.
A viagem de cada um de nós é longa e não realizamos o mesmo percurso, no entanto decidimos neste ano “materializar” a ambição de criar um espaço selecionado de leitura, onde estaremos nós e pessoas convidadas e identificadas com discussões literárias e culturais e com o propósito de romper um pouco que seja o fluxo de leitores à absorção momentânea das redes e restabelecer na internet um tanto de leitura atenta e possibilidade de contemplação artística.