POESIA

Poemas de Marcelo Benini

Imagem: Gerald Thayer (remix)

Amantes

Nossa infâmia começa cedo
A luz devassa,
A cama bisbilhotada

Os corpos esquartejados
De ontem

Precisamos nos remontar
Já é dia.

§

Flores de Kafka

As cores sequestradas
Mistificadas em jardins
Ciano, magenta, amarelo e preto
Adesivos, banners, catálogos, prospectos
Brindes, camisetas, painéis
Uniformes anunciam a impossibilidade
De não estar mais dentro daquelas cores
De viver além do azul ou do vermelho
De fugir da identidade
De jogar o corpo fora da escala.

§

Casa do tempo

Um dia reparei que os passarinhos
Bicavam minha casa e levavam embora pequenos
Pedacinhos dela
Minha velhice e minha doença contemplam
Agora a ruína
Nunca odiei os passarinhos
Odeio a ruína
Que não presta nem pra passarinho.

§

A bruxa dos pequenos papéis

A bruxa dos pequenos papéis
Dará destino às anotações
De números de telefones que
Já não se sabe a quem pertencem
Receberá os guardanapos untados
Por bocas e poemas
As folhinhas de parede no primeiro dia do ano
Seguinte
E todas as folhas amassadas
Porque cada folha amassada
É um pequeno papel mal vivido
Que retém em si a reminiscência
Da mão que a aperta
A bruxa dos pequenos papéis
Zela para que todos os pequenos papéis
Sejam guardados
Para um dia queimá-los ou
Redimi-los de um esquecimento
Injusto.

Marcelo Benini nasceu em 1970 na cidade de Cataguases, Minas Gerais. Vive em uma comunidade rural próxima a Brasília/DF. Publicou “O Capim Sobre o Coleiro” (edição do autor/2010), “O Homem Interdito” (Intermeios/2012), “Fazenda de Cacos” (Intermeios/2014), “Currais Concretos” (Intermeios/2018), “Poemas do Núcleo Rural” (Penalux/2022).

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