Na ponta de um espinho
se equilibrava uma flor
triste
encerrada pelas grades
dos jardins do hospício
No fim do dia
machucada e muda
olhava-se no espelho
e via Delos
ilha de sal e lágrimas
tão branca
§
Desejo de Jeca
sim, eu só queria me deitar no chão
sentir a graminha espinhuda
e as pedrinhas castiças
machucando as minhas costas
o cheiro de bosta de vaca
entrando pelas narinas
o tempo besta
parando nos meus olhos
preguiçosa saudade de nada
o jacu e sua família
passeando pelo quintal
onde as folhas desabam leves
sobre o lombo e os croc-crocs
das formigas
é tão pequeno o que eu queria
que não se vende em conserva
e mesmo que vendesse
por isso eu nada pagaria
porque na pradaria
aquilo de que gosto
faço sozinha
eu mesma
de graça
§
Firmamento
os raios de sol não se esgotam
por estendermos
muita roupa no varal
as estrelas não despencam
ou se apagam
sob a mira de bilhões de eras
ou por decreto
de potentes telescópios
são invisíveis as partículas
aglomeradas
em moléculas de amor
e nem mesmo depois
da morte
a luz de uma flor
minúscula
viajando
e espalhando pólen
se gasta
no entanto, como são vastas
as praias do universo
com suas ondas cobertas
de canções
e esquecimento
§
Etiqueta
das paixões que foram e já não são mais
às vezes dizemos que nunca vieram
que serão eternas asflores de agora
ou futuros amores que ‘inda não se deram
afinal, quem é que quer mostrar-se
mestre na arte de dizer adeus
ou de ter sido abandonado
com um pálido girassol
no coração
e ostentar, então
na lapela
um malmequer
qualquer
despetalado?
Wanessa Monteiro de Barros é poeta e atualmente está preparando o livro no qual estarão estes e outros poemas.