POESIA

Inéditos de Adriane Garcia

Imagem: Katsushika Hokusai, 1830.

PLACENTA

Hora do espetáculo, vai
O terceiro apito tocou
A bolsa rompeu

Grita!

Script nenhum
Se vira!
Improvisa!

§

PULMÕES

Um sopro divino e
Estou pronta
Para a troca:
Dou o meu primeiro choro.

§

LOBOS

A festa desistiu de alguém
Uma menina ficou atrás do outdoor
A luz estroboscópica paralisou a cena
Exatamente quando ela queimava
A perna
No cano de descarga da moto

O passado é feito de derrotas
Sobretudo porque nele
Nada sobreviveu
Agora é que ela respira
Cheia dos danos
De ter morrido cada vez

Geralmente se distrai
Mas há botões lobotemporais
Para acionar tempestades.

§

DENTES

Era um prédio decaído
Na Praça da Estação
A menina carregava
Quinze anos e
Dentes estragados

O dinheiro pouco
Para muita amálgama
E o pouco escrúpulo
Do dentista

Voltou anestesiada
A sutura só mais tarde
Sentida

Entre tantas coisas perdidas
Perder ainda
Mais um dente.

§

TÓRAX

Dentro do peito o mundo ressona
Troco o ar de dentro pelo ar de fora
Troco o ar fora pelo ar de dentro
A caixa tenta proteger mas
O desamor passa por entre as costelas

O coração (não tem jeito)
Foi feito para sofrer?

§

COSTELA

Primeira armadura:
A prova de que
Haverá inimigos e de que
Nascer
É ser posto na guerra

Frágil armadura:
Se deus é perfeito
Não fomos feitos
À sua imagem e
Semelhança

Anacrônica armadura:
Nada segura
A indústria armamentista.

§

DORSO

Às nossas costas
Mais que coluna e musculatura
Pesam a maledicência
O desejo escuso de ferir
Cochichos, as palavras
Cortantes armas brancas, preparando
Vilanias para um almoço
Para um jantar
Para um café da
Manhã/ O inferno são
Os outros

Não é um mundo seguro para andar de frente
Não é um mundo seguro para andar de costas
Não é um mundo seguro
Para andar.

Adriane Garcia é nascida e residente em Belo Horizonte. Poeta, publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018), Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019), Eva-proto-poeta (ed. Caos & Letras, 2020), Estive no fim do mundo e me lembrei de você (Selo Altamente Recomendável FNLIJ 2022, ed. Peirópolis, 2021) e A bandeja de Salomé (Caos & Letras, 2022).

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