POESIA

Casa da lua e outros dois poemas

Imagem: Martin Gerlach, 1897.

CASA DA LUA

“Asa de ombro…Amou. Corroeu-se de sonhos.
E cúmplice de aflitos, foi construído e refeito
Em sal e trigo”

Hilda Hilst

Nesta casa perto do mar
Todo o espaço branco em torno da mulher
Está se enchendo de faces enquanto ela escreve.

Vem o demônio de muitas perguntas.
Vem o santo que é pasto de Deus.
Multidões encarniçadas. Juízes. Anjos.

Vem o triste verdugo que se apieda.
Homens com patas de lobo.
Palavras de pedra. Palavras de fogo.

Todo o espaço branco agora é tinto
E cheira ao ferro do sangue
Na linguagem da cruz.

Nesta casa perto do mar
No centro de uma roda que só a mulher vê
É treva e é luz enquanto ela escreve.

§

CAMPOS ACESOS

Então os campos amanheceram
Fulvos de minúsculas flores
Não era um frenesi mas um regozijo difuso
De pós-guerra com além-mundo

Então os campos amanheceram acesos
E atearam nossas vidas miúdas
Com aquele amor que não sopesa
Se lhe somos merecedores.

§

NA ÉPOCA DAS BORBOLETAS

Vida viva nos encontre
Na época das borboletas
Em altas matas cobertas
Com o frêmito do ardor.

Encontro nunca havido
Que a palavra principia –
Que principie agora
Seu império centrípeto:

Nossas rotas rodopiem
Todos os caminhos dancem
E o que for verdade aflore
Do mínimo pólen dos sonhos.

Céu na terra nos encontre
Num desbordar doido de riso
Pletora de esplendor insano
Gáudio de gozo que brilha.

Já nenhum de nós saiba
Se nossa gana vem dos bosques
Ou se esse fulgor de asas se anima
Dos anseios que emanamos.

O tesão da vida nos encontre
Na época das borboletas
Em altas matas cobertas
Com o cúmulo do amor.

Todo o escrito esteja inteiro
Nesse ar que nos tonteia
Nesse enxame que é um êxtase
De palavras bulindo ao sol.

Esse tempo desde dentro
Engendre o voo até o evento
E já nenhum de nós compreenda
Se o poema se faz antes ou depois.

Mariana Ianelli nasceu em 1979 na cidade de São Paulo, onde vive. É autora de livros de poesia, crônica, ficção, ensaio e literatura infantil. Formada em Jornalismo, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, foi cinco vezes finalista do prêmio Jabuti em poesia (livros Fazer silêncio, Almádena, O amor e depois, Tempo de voltar e Dança no alto da chama) e vencedora do prêmio Minuano de Literatura 2021 na categoria crônica (livro Dia de amar a casa). Seu primeiro romance, A infância de Joana, é finalista do 18º Prêmio São Paulo de Literatura. Site: www.marianaianelli.com.br

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