Dario Veloso
Rio de Janeiro – RJ
A Ilusão é Serpente encantada.
A Serpente é o símbolo do Universo…
Cauda e cabeça: Alfa e Ômega, —
O Círculo eterno cinge a VIDA.
I
O atanor alquímico do sol extinguiu-se; púrpuras fluídicas alagam o Ocaso; ao Oriente começa de singrar o Azul a BARI de ÍSIS, duplo, na evocativa de sugestivos transcendentalismos. Ilian cisma, ao luar, o mistério das Metamorfoses, no misticismo outonal dos últimos idílios. Sucúbio voluptuoso densifica-se-lhe aos olhos, vestindo esmaragdino corpo etéreo, com cintilos de topázios.
Ilian, fitando o olhar no olhar do Sucúbio:
Sucúbio da Ilusão, ou real ou aparência,
Os olhos a sorrir a piedade e o amor,
Quando só, torvelino os vórtices da ausência,
— Ó faces de luar! ó lírios de Elsenor!
Olhos de âmbar, fulgor de dous espelhos mágicos,
Lagos a refletir dous esquifes de onix,
Lagos de âmbar, cendal de meus destinos trágicos,
Galeões, a singrar para Ofir e Tarsix!
O Sucúbio, voluptuoso e sarcástico:
Ofir de sonho, mar de safira,
Estrelas: vastos arquipélagos…
Os olhos negros de Dejanira
São dous pélagos.
Rumo do Azul, para a Quimera!
…Infinito roteiro…
Teu coração é cratera,
Coveiro!
Ilian:
Teus olhos de ilusão têm seivas e atrativos…
Há serpes de veludo em teus olhos soturnos!
Nereide, a tua voz: cálamos primitivos,
Venúsios… trauteando em teus lagos noturnos.
Velas o olhar de sombra, e uma noite de arminhos
Prometes, nesse olhar de volúpias bizarras…
Deliras: teu olhar são sombrios caminhos
Com brilhos de punhais e curvas cimitarras.
O Sucúbio:
Contam lendas do Passado,
Tão antigas quanto o mundo,
Vivem serpentes ao fundo
De todo lago encantado.
Há palavras de bruxedo
Para vencer as serpentes…
— Lago de margens dormentes,
Qual será o meu segredo?
Ilian:
Os arcanos da Vida, em teus olhos de súcubo,
Traçam curvas de Soes, abrem negros sudários…
Satã crava-te ao seio a serpente de um íncubo,
Volúpia: carne em flor, crótalo e estradivários.
Ginandra, a Forma e a Essência, alquimizas o Beijo,
O beijo em fogo: sol; o beijo neve: círio!
Lábios da Sulami abres a meu desejo,
Vales de Josafá, Sucúbio, o meu martírio!
II
O Sucúbio assenta-se no rebordo do minarete, alto sobre o bosque, ao luar. Olhos de volúpia, fascina-o estilando filtros.
O Sucúbio:
O Riso e a Dor são dous lagos,
Onde vão se afundar Bizâncios e Babéis…
Estrelas de esmeralda à flor dos lagos:
Astrologismos fulvos e cruéis.
Velas de veludo preto
Flafam, agonizantes…
Ípsilos de âmbar, amuleto,
No colo de luxúria das Bacantes.
O lago negro, — treva e dor, —
Singram trirremes de argentum:
Asas de Morfeu, asas do Amor,
Para Agrigentum.
Mergulha nos meus olhos, nos meus lagos,
Encantados palácios de ouro fino…
Ilian, sonambúlico:
— Ó lírios de esmeralda à flor dos lagos,
Serpentes de luar, palácios de ouro fino!
Palácios de safir, esmeralda e lazúli,
Palácio e templo, aroma e luz, gardênia e sol,
Fontes de Siloé, taça do rei de Tule!…
O Sucúbio interrompendo, em aparte:
— O teu amor é fátuo,
Monstro, sem coração!
Teu amor é fogo-fátuo
Correndo atrás de uma ilusão.
Ilian, inebriado:
— Lírio… torre… falerno… rouxinol!
Espectro… urna de carne… o Desejo e a Loucura.
Embriagas e apunhalas.
Tenho-te asco, Serpe! Quero uma fonte pura,
Lagos, a refletir opalas.
O Sucúbio, dissipando-lhe a embriaguez:
Mergulha nos meus olhos, nos meus lagos,
Encantados palácios de ouro fino…
Ilian, enamorado:
Teus olhos são dous lírios, são dous lagos,
Com frotas de topázio e de turquino.
Subo a teus olhos, entro os teus lagos dormentes…
Sonho… (O Sonho é o zenit de uma esperança vã.)
Ó Lagos de esmeralda, encantadas serpentes,
Ilusões de esmeralda, ó lagos de Ilian!
O Sucúbio:
Meus olhos são uma infinita escada…
Rondam Silfos e Gnomos…
Pudesses tu colher os pomos
Da serpente encantada!
Ilian:
Anjo foras, Gardênia, um tálamo de lírios…
Bruxa, esquifes no olhar, dous sudários, Megera!
Antro de feiticeira, ardendo quatro círios,
E, Ela, morta, — a Serpente: a Ilusão, a Quimera.
Lagos de âmbar, luz morta, — na encruzilhada
Mais um círio e uma cruz, — cadáver e punhal.
Tentadora! Serás essa infinita escada,
Fonte de Siloé, Tule espiritual?
. . . . . . .
Volve o místico Ilian, sob o velário de éter,
Na evocativa astral de uma saudade vã…
Qual dos aspectos? Anjo ou bruxa? Netzah… Kether!
Nunca mais!…
A HORA passou…
— Boa noite, Ilian!
Curitiba, 7-9 de dezembro de 1901.
Veloso foi um poeta do século XX que, ao arrepio do modernismo, escreveu uma poesia do século XIX. Portanto, na contramão dos poetas de século XIX que fizeram poesia do século XX, os Rimbaud, Mallarmé, Corbière, Laforgue. Isso fica evidente através da comparação com seus contemporâneos: Stefan George, com sua concisão e precisão; Yeats, mestre da condensação em imagens; e Fernando Pessoa, a expressar-se, em boa parte de sua obra, em um português que soa atual ao ser lido hoje. Veloso, por sua vez, deve ter achado que a escolha de uma dicção anacrônica, na forma e no vocabulário, seria coerente com o tradicionalismo doutrinário, a evocação e a recriação da Antiguidade. Oferece um duplo contraste com o modernismo brasileiro: foi beletrista na escrita e tradicionalista na doutrina. Interessou-se por mistérios, órficos, mais do que por nossos mitos tribais. Contudo, ao idealizar esse passado arcaico, de uma antiguidade remota, projetou-o em um socialismo utópico.
Claudio Willer
In: Willer, Claudio. Um obscuro encanto: gnose, gnosticisimo e poesia moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
Claudio Jorge Willer (São Paulo, 2 de dezembro de 1940 – São Paulo, 13 de janeiro de 2023) foi um poeta, ensaísta, crítico e tradutor brasileiro. (Poesia traduzida no Brasil)
Dario Persiano de Castro Veloso nasceu no Rio de Janeiro, a 26 de novembro de 1869, mas viveu em Curitiba, Paraná, onde faleceu em 28 de setembro de 1937. Poeta, narrador, ensaísta, orador, educador, pensador, catedrático do Ginásio Paranaense. (Wikipedia)