às vezes, quando anoitece
temo que teus olhos triturados
surjam na penumbra e me abracem
como a chama acesa no candelabro
ritualizo o momento em segredo:
me lançar novamente no asfalto de ti
cortar o fio da pouca realidade
que ainda há entre nós
salivar nas tuas caravanas
assistir das dunas
o grande incêndio do fim do amor
§
os corpos orbitam sem pretexto
são a anestesia aguda que rompe
o ligamento que cobre tuas coxas
dançam em círculos
um a um no centro de um
palacete aberto ao luar
são fantasmas
memórias aceleradas colapsos neurais
mentirinhas matutinas
§
sonhei que ele caminhava
junto a mim
em uma ruinha de perdizes
não havia fala
um corte transpassava sua jugular
dei-lhe minha camisa
como quem diz “estanque com isso”
caminhamos &
sua calma
seus olhos
tudo ainda estava lá
a última vez que nos vimos
ria, ria sem fala
deitado num vaso de plantas
balançava
ignorava o abismo
quem é que ignora o abismo?
nos sentimos e então
resolveu falar
“é hora”
antes da assimilação
da junção silábica
da hora levada das levadas
jogou-se
transformou-se em uma samambaia
Guilherme Ziggy é poeta, tradutor e editor. Autor de consultas autônomas (2019). Mora em São Paulo. @guilherme_ziggy