Há tantos anos-luz de um corpo morto,
seu espectro azul dança.
Uma miragem atrasada em um dia quente,
de morna luz que se inverte.
No deserto de Xinjiang, entre maio e outubro,
corre atravessado na areia um rio de luz imaterial.
Faz sol.
No calor do verão – sobre uma carcaça
que emite aromas e larvas crescem asas
e alçam voo – o céu se inverte, tremulante como água.
Um animal morreu em cima do telhado no quarto.
Tentei respirar fundo, entre a cama e a porta.
Respirar fundo e calmo para não fazer uma desfeita
do privilégio que é ser morrida em cima.
E dessa honra do solo de morte,
acho com uma certa preocupação
que se encurtam os limites entre mim e o cemitério.
§
Escrevo,
mesmo que falhe. Como a memória falha quando
me lembro da lua branca que nem jasmim e toda
noite é rosa de cobre que brilha.
Escrevo polindo o cobre, para no fim, ter feito uns
riscos de todo tipo de profundo, dos quais se
pode juntar um alfabeto.
Se estou na Terra, é do Leste que nascem essas
constelações todas. Mas saio um momento. Bebo
das letras do Sul, da língua própria da palavra que
se mostra: é um pássaro que pousa em meu ombro
e voa. Um fantasma que me toca a mão e continua
morto.
*
§
Olho esse ponto em que não estou.
É uma árvore em meio a outras milhares de
árvores, com algum espaço livre ao seu redor.
Imagino como pisam os pés lá. E se correm, sinto
na ponta dos dedos como é quase errar o chão. E
se permaneço vertical, então é porque antes de
escrever, danço.
Majestoso onde não estou, consegue me ver
também? Sabe que como você, o fogo também
tornaria minha matéria desaparecimento? Sabe
que consumindo o olhar nessa linha reta e violenta
é que está o horizonte?
É porque posso queimar que existe a paisagem.
Pois para uma rocha, cada infinito é um instante e
vice-versa na permanência mineral. Apesar de todo
magma e lápide, há a branda demora dos que não
temem a danação.
Vejo o infinito negro do incêndio, sinto o solo
desfazer e toco cinzas: nesse chão, haverá fungos
que cultivam vida. Então há de se plantar um
cuspe, para que nasça um choro depois, à noite,
quando cada estrela for promessa de congelada
chama.
*
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Os textos indicados com o asterisco foram originalmente publicados na dissertação de mestrado intitulada “Para um Astro”, defendida em 2023 no Instituto de Artes da Universidade de Brasília.
Danna Lua Irigaray vive e trabalha em Brasília, é mestra em Artes Visuais pelo PPGAV – UnB, na linha de Deslocamentos e Espacialidades, onde desenvolveu sua dissertação intitulada “Para um Astro”. Atualmente cursa o doutorado na mesma linha de pesquisa. Seu trabalho investiga as relações entre paisagem, natureza e o cosmos, utilizando as linguagens de vídeo, instalação e poesia. É integrante do grupo de pesquisa Vaga-Mundo: poéticas nômades (UnB/CNPq).