POESIA

Canção de maio e outros poemas de Sandra Santos

Imagem: Thomas Smillie (1890–1913)

canção de maio

não ouço tua voz cantarolando
cantigas de sapos, de bois e de gatos
minha memória perdeu-
te vejo

ajustando uma linha num vazio de aço

ouço, no entanto
teus pés silenciosos pousando
nos rastros dos meus pés desastrados

§

              dedicado ao amigo Manuel Silva-Terra

casas antigas guardam fantasmas
vadios livres de todo
vazio acumulado antes

plantas trazidas de outras eras
descascam os tijolos da fachada

e a casa contempla o dono
: sentado num pedaço de varanda
invadida por Magnólias

um gato arisco já não busca afagos
o habitante da casa acaricia galhos!

§

tempestade

um céu gótico
de vitral improvisado
              riscos de bismuto, ouro e cobre

cá embaixo a dança
dos clarões sincopados
como se a luz de uma lamparina tremulasse

e alumiasse a noite
– apagada
a voz cavernosa das fendas – trovoada

chama
              o que dela se alimenta
sou alguém que atende

§

preciso deixar a cama
que tricota nós nas costas

preciso calçar sandálias
mirar o olho da rua

portas com teias de aranha
e janelas

o sol forçando uma fresta
meu copo d’água casado

com um vidro tarja preta
lá fora, glicínias aguardam poda

e lavandas, rega diária
lá fora, beija-flores voltam aos ninhos

não temem minha água-com-acúcar
lá fora, papagaios mudam de plumas

preciso
              cumprimentar o vento

Sandra Santos é artista plástica e poeta. Nasceu em São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul. Publicou, entre outros, o livro trilíngue “Flor de Udumbara”, em 2016, no Peru, em 2016, pela Hanan Harawi Editores.

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