canção de maio
não ouço tua voz cantarolando
cantigas de sapos, de bois e de gatos
minha memória perdeu-
te vejo
ajustando uma linha num vazio de aço
ouço, no entanto
teus pés silenciosos pousando
nos rastros dos meus pés desastrados
§
dedicado ao amigo Manuel Silva-Terra
casas antigas
guardam fantasmas
vadios livres de todo
vazio acumulado antes
plantas trazidas de
outras eras
descascam os tijolos da fachada
e a casa contempla
o dono
: sentado num pedaço de varanda
invadida por Magnólias
um gato arisco já
não busca afagos
o habitante da casa acaricia galhos!
§
tempestade
um céu gótico
de vitral improvisado
riscos
de bismuto, ouro e cobre
cá embaixo a dança
dos clarões sincopados
como se a luz de uma lamparina tremulasse
e alumiasse a noite
– apagada
a voz cavernosa das fendas – trovoada
chama
o
que dela se alimenta
sou alguém que atende
§
preciso deixar a
cama
que tricota nós nas costas
preciso calçar
sandálias
mirar o olho da rua
portas com teias de
aranha
e janelas
o sol forçando uma
fresta
meu copo d’água casado
com um vidro tarja
preta
lá fora, glicínias aguardam poda
e lavandas, rega
diária
lá fora, beija-flores voltam aos ninhos
não temem minha
água-com-acúcar
lá fora, papagaios mudam de plumas
preciso
cumprimentar o vento
Sandra Santos é artista plástica e poeta. Nasceu em São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul. Publicou, entre outros, o livro trilíngue “Flor de Udumbara”, em 2016, no Peru, em 2016, pela Hanan Harawi Editores.