não negue que tem medo de estar dentro
que você é uma câmera no alto do poste
vigiando com olhos mecânicos perpétuos
fria torre longínqua e inenarrável vontade pétrea
confesse o medo de mergulhar fundo
sua paixão pela minúcia exacerbada
que já não é mais gênero apenas análise
sujando o outro com hipérboles digitais
silêncio santo e altar sacramentado
polos norte e sul cruzados no ventre
epicentro de tudo o que não alcança
incapaz de adicionar camadas finas de paixão desembestada
pontes queimadas até o pó
seu peito inteiro é uma ilha desértica
castelo de gelo
não devotarei a ti um segundo de pena
deixarei que esperes só se és tão átomo
e assim mitologias equivocadas se constroem
falar sozinho com as paredes da caverna
tendo apenas o fraco eco como resposta
§

§
o sol nasceu tímido hoje
escondido nas nuvens escuras
mal despontou e já é noite fria
7 da manhã e eu contando os dias
dias estes que me são como fel
é engraçado não entender
ficar com cara de tacho
humor de burocrata
prazer em negar doçura
diretriz cunhada na infelicidade
quem é feliz demais é meio besta
por isso praias são lotadas
§
um poeta mentiu dizendo que todas as praias são iguais
talvez todas as praias do rio
onde ele costumava morar
sejam
repete-se água, sal e areia
por quilômetros a fio
ainda por cima
nadam criaturas marinhas previsíveis demais
camarões, pargos e golfinhos
coisas que você encontra em qualquer esquina
de qualquer mar
mas a praia de iracema é diferente de tudo
e não é pelo brilho incomparável do sol se pondo
ou o verde pastel virando cinza tremulante
é que só nela há uma pichação
específica nas pedras
perto do quiosque da água de coco
dean + tonzin = ♡
mas eu mesmo moro em Maracanaú
§
antes de arrombar com os pés a porta
olha a profundidade da poça
não pule continentes inteiros
é preciso conhecer as américas
mãe de todas as que foram roubadas
costure suas veias machucadas
(se houver na bolsinha um kit de costura)
é justo lamber as sobras do prato
se o cozinheiro tem o olhar complacente
sei que posso andar mais e correr e até voar
se minhas asas não fossem podadas
pela preguiça de um domingo ensolarado
o tanto de impossível que saberia aludir
só é interrompido pela métrica da palavra
§
leia esta poesia ouvindo sticky da fka twigs
foi desesperador perceber que as palavras deveriam ser ditas
exibidas iguais produtos inúteis na vitrine bucal
bem ali entre o céu da boca e o dente cariado
deveria haver um conjunto de aglutinações fonéticas disformes
todas elas esperando ansiosas que eu as anuncie
pulando da língua como um trampolim em carne viva
dean tem 31 anos, é cearense, formado em filosofia (não praticante), adepto de leituras preguiçosas e escritor por acaso. É autor dos zines “Casulo”, “dentro dos dias”, “EXO”, “zine de poesias emocionalmente exageradas” e “UNÂNIME”.