é silenciosa a voz
o tempo adormecido por dentro
antigamente
se escutava o ressoar da água nas vertentes do corpo
água
vulcânica
água
coagulada
água
férrea
hoje caminho em promessa
as mãos retidas em suas próprias encostas
a queda das palavras sobre água nenhuma
era música o que ouvíamos?
inclinadas sobre o verde e
por
isso
sobre o mundo
inclinadas sobre o coração da terra
o desejo como uma hidrografia belicosa
§
o silêncio desenterrado no corpo
o canto impossível de alguns pássaros
a terra que engendra a terra
e por isso
a terra que conjura este fogo primitivo
viemos de muito longe
as mãos embrutecidas pelo tempo
as mãos embrutecidas pela fuligem
mas ainda assim
as mãos que percorrem os desvios das nascentes
viemos de muito longe
é certo
e desenhamos a noite dentro da noite
e desenhamos a noite dentro do dia
um ponto cego
a fenda em uma montanha
Bárbara Mançanares, nascida em Alfenas (MG), é autora dos livros Maio (2018), Cartografias do corpo que canta (2021 – vencedor do Prêmio Mozart Pereira Soares em Poesia 2023), A voz incauta das feras (2024) e A dança áspera das raízes (2025). É também bordadeira, mestra em Museologia e Patrimônio, integrante da Academia Paraguaçuense de Letras.