POESIA

De “Ossos dos enforcados”

Imagem: Cobalto/Divulgação.

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Eu acredito que quando alguém muito próximo a você morre, alguma coisa sua morre junto. No princípio é um abalo. Algo dentro cai e pesa nos pés. É como se fôssemos jogados ao fundo de um rio amarrados a uma bigorna de ferro. Um novo céu se funda mais inferno. Uma palavra que ainda restava a dizer como um martelo a despencar do quinto andar. Um segredo ainda por se revelar. Algo ainda por ser aprendido. Um progresso na sua vida que apenas aquela pessoa poderia desenvolver.

Quando alguém morre nossa vida retroage. É como nascer ao contrário. Um quarto escuro é o melhor abrigo. Aquieta-se num recolhimento para averiguar os danos, as feridas, para não morrer também. Mesmo que se continue adiante, é preciso admitir, para que se continue a viver, alguma parte de nós morre. Algo muito profundo em nós sacrifica-se como um dom ao morto. E às vezes levam-se anos para encontrar o rumo. Por isso é possível que eu tenha morrido antes de você quando suas mãos estiveram em meu pescoço.

Você veio morrer mais tarde, no meio do dia do dia seguinte no meio da rua com o sol no meio do céu. À tarde, eu continuei vivo, porque suas mãos em meu pescoço foram a clarividência de sua morte. E você, meu amigo, veio morrer no meio da estrada da nossa vida, enforcado.

Jaqueson Luiz da Silva nasceu em São Paulo, em 30 de dezembro de 1977. É formado em Letras e doutor em Teoria e História Literária pela UNICAMP. Publicou o livro de contos Bem dito o fruto do som e da sombra. Atua como professor de Literatura e desenvolve projetos de criação literária e de escrita de roteiros cinematográficos. Também tem formação em Psicanálise e é membro da Tykhe – Associação de Psicanálise de Campinas. O trecho acima é de Ossos dos enforcados, publicação da Cobalto, de 2023.

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