POESIA

Poemas de ‘A guerra transparente’

Imagem: Vaughan Cornish, 1914.

No Museu Palestina

No museu Palestina sentamos e choramos,
dos nossos olhos jorram para sempre imagens de mísseis
caindo sobre a cabeça de velhos, mulheres e crianças.

O Egípcio-Palestino Jesus se sentou diante do poço
e reconheceu em sua conterrânea palestina aquela
que lhe daria água para matar sua sede

No Museu Palestina exigimos a reinstituição do antigo mapa de Samaria
e o deslocamento do Estado de Israel para a Alemanha, sua vizinha ideal
que a semente do mal fique ao lado do mal
e tenha como destino a desnazificação total

E tirarei de vossa carne um coração de pedra e vos darei um coração de carne

No Museu Palestina diremos que a humanidade merece ser extinta.
Que de nada adianta a palavra sem a ação.
Que a raiva e o ódio cegaram os cães
e arrancaram a asa dos pássaros
Muitas coisas dirão os anjos dentro das lágrimas
que secaram no rosto das mães

No Museu Palestina houve a confirmação
da imanência insuportável de todo genocídio
e a confirmação de que a humanidade
corteja seu próprio suicídio
ontológico

Em verdade estaremos convosco em Samaria
disseram os mortos
e dentro de vós
estarão para sempre abertas as portas do Museu Palestina.

§

Cena com dois anjos, Edward Said e Mahmoud Darwich

Hafziel: Por que você carrega essa pedra em suas mãos?

Edward Said: Havia uma rosa em minhas mãos mas ela se transformou em pedra, depois que eu atravessei o mar de luz escura, depois prateada.

Hafziel: Atire essa pedra de volta no mar.

Said joga a pedra que se transforma novamente em rosa e depois em concha violeta, a concha cresce e de dentro dela sai um leão que abre a boca e de dentro da boca do leão sai o poeta Mahmoud Darwich

Hafziel: Agora você não está mais sozinho.

Said e Darwich se abraçam

Mahmoud Darwich: Irmão Said estamos no Paraíso? Não parece ser o paraíso.
Edward Said: Olhe para o alto.

Os dois olham e no lugar do céu, há milhões de crianças dormindo, à esquerda dele surge outro anjo com seis asas

Arcanjo Gabriel: Estas são as crianças mortas nos bombardeios.

Após isso o outro anjo sobe, mergulha no meio das crianças que acordam e se transformam em uma enorme bola de fogo que cai sobre Israel.

§

Carta em resposta para Fadwa Tuqan

Suas palavras brotaram do sangue derramado
sua mão escreveu no lugar de outras decepadas
seus olhos iluminaram olhos arrancados
Quando você se sentou para escrever
os que foram aleijados se levantaram
dentro de você

Não há nada de ridículo
ou insuficiente
em lutar com palavras
Palavras são a encarnação
da presença invisível
de uma força
que drones e mísseis
não conseguem destruir

Quando você disse Meu Povo
Quando você disse Minha Pátria
O silêncio se tornou um Sol
A coragem um mar
e voz do Mar e a do Sol
gritaram no horizonte:
A Palestina triunfará!

§

A morte de Netanyahu

Num sonho intranquilo
ele verá a si mesmo
como uma criança
cercada por centenas de outras

Uma das crianças
se apresentará
Olá, eu sou o Profeta Yaakov
outra se aproximando dele dirá
E eu sou o Profeta Shlomo

Uma terceira criança
com a pele dourada
surgirá diante dele
E quem é você?
perguntará um assustado Benjamin
Eu sou IHVH
responde a criança
Por que você
atirou bombas sobre nossas cabeças?
Perguntará o Profeta Yaakov

Netanyahu acordará
dentro do corpo de uma menina de sete anos
em Gaza segundos antes
de uma bomba cair sobre sua casa
e esta cena se repetirá por toda a eternidade.

Marcelo Ariel, nascido em Santos (SP) em 1968, é autor de Tratado dos anjos afogados (2008), Ou o silêncio contínuo – poesia reunida 2007-2019 (2020), Nascer é um incêndio ao contrário (2020), Afastar-se para perto: ficção-vida (2024) A água veio do sol, disse o breu (2024), Orvalho permanente (2025), entre outros livros. Poeta, ensaísta e teatrólogo, Ariel organizou e prefaciou a Poesia Reunida de Cruz e Souza pela Assírio & Alvim (2025).


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