POESIA

Três poemas inéditos de Daniela Kern

Imagem: O rapto de Perséfone, afresco em Vergina, em torno de 340 a.C (detalhe).

Perséfone

Hoje é o dia em que ele vem me buscar
de novo.
Eu não queria,
mas preciso aceitar
o meu destino.
Eu já conheço o caminho.

É no inverno que devo me esconder
de novo.
É no inferno
que ele vai me manter
enfeitiçada.
Contra ele eu não posso nada.

Nem sempre eu vou ser,
nem sempre eu vou fazer
o que se espera de mim,
o que se espera que uma deusa faça.
Eu sei, nasci assim,
devo me conformar,
mas eu preciso dormir,
é muito peso em cima de mim.
Mas eu preciso dormir,
é muito peso
em cima
de mim.

O frio avança e só faço chorar
de novo.
As flores murcham
sem que eu possa voltar
à minha terra,
onde Deméter me espera.

Ele me ama como nunca o amei
de novo.
Ele é meu céu, meu chão,
meu servo e meu rei,
mas quem me dera
que só houvesse a primavera.

Nem sempre eu vou ser,
nem sempre eu vou fazer
o que se espera de mim,
o que se espera de mim,
o que se espera.

§

Saturno

Eu sou o medo
de sentir muita dor.
Eu sou o avesso do sol
e do calor.
Eu sou aquele
que toda lembrança apaga.

Nunca nasci,
eu sempre vou existir.
Vivo bem só,
mas sempre tenho onde ir.
Eu me escondo
atrás da sombra da tua casa.

Não deixa eu me aproximar.
Nunca me dá tua mão.
Vais te sentir congelado
em meio à escuridão.

Eu sou o acento triste na tua voz.
Eu sou a faca que te corta o ar.
Eu te avisei:
eu te pedi pra me afastar.

Nunca desisto,
eu sempre vou existir.
Eu te impeço de cantar e sorrir.
Eu sou o peso
que te transforma em Atlas.

§

Colombina

Pra mim amor
é desencontro,
é aflição,
é dor.
Pra mim nunca nada de bom
veio de um grande amor.
É carnaval e eu aqui procuro Arlequim.
É carnaval e eu encontro apenas Pierrô.

Ano passado lembro que sofri
de amor também.
O carnaval desperta o grande amor
que a gente tem.
Em toda máscara eu via
o meu Arlequim,
e toda a noite eu gastava
em procurá-lo bem.

Pierrô, eu sei, sempre me amou,
sempre gostou de mim,
e me comove ser o alvo
de um amor assim,
mas também sei que justiça
não combina com amor,
e continuo a suspirar
pelo meu Arlequim.

Deus queira que esse amor acabe
e eu pare de sofrer.
Deus queira que com Pierrô
eu torne a viver.
Mas enquanto a vontade d’Ele
não me abençoar,
é tão somente Arlequim
que eu vou saber
amar.

Daniela Kern é escritora, tradutora e professora de História da Arte no Instituto de Artes da UFRGS. Seu romance de estreia, “Doze Lições” (Editora Class, 2019), realizado com o apoio da Bolsa Funarte/Biblioteca Nacional de Criação Literária 2012, foi finalista dos prêmios AGES 2020 e Açorianos 2020, tendo sido premiado com o troféu Alcides Maya pela Academia Riograndense de Letras em 2020. Publicou em 2025 seu primeiro livro de poemas, “Sobre aquele coração que eu desenhei na pedra” (Patuá, 2025)

 Exportar PDF

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *